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PORTO ALEGRE – A última vez em que viu Ana Paula, a motorista profissional Rosângela Maciel, 56, nem pôde conversar direito com a filha – tamanha a pressa da bióloga na passagem por Porto Alegre. Era dia 12 de julho, fazia frio na capital gaúcha, e a ativista do Greenpeace acabara de voltar de uma estada de três meses no México, onde fez um curso de mergulho profissional com o namorado, Miguel Angel Arguelles. No dia seguinte, pela manhã, já embarcaria para a Holanda, onde faria parte da tripulação do Arctic Sunrise para mais uma missão, desta vez com um final inesperado.
- Nem conseguimos sentar para falar sobre a vida dela, sobre coisas que mãe e filha conversam normalmente. A Ana estava muito cansada, tirou roupas de calor e trocou para peças de frio, e no sábado já foi embora de novo. Era a rotina dela: viajar por aí. E eu nem estranhava mais – relata a mãe da ativista brasileira Ana Paula Alminhana Maciel, 31, presa na Rússia desde o dia 19 de setembro por uma ação de protesto contra a exploração de petróleo no Ártico.
O relato mostra bem a personalidade forte da menina porto-alegrense que abraçou a causa ambiental logo na infância e, aos 15, colocou na cabeça que seria uma ativista do Greenpeace. A distância, portanto, nunca foi um empecilho para que a mãe Rosângela se comunicasse com a filha – mesmo agora, quando a bióloga completa um mês de detenção (no sábado, 19) na longínqua Murmansk, no extremo norte da Rússia e a cerca de 1,5 mil quilômetros de Moscou. Nesse período, os únicos contatos foram duas cartas escritas por Ana Paula e enviadas por email a Rosângela e um telefonema que durou exatos cinco minutos.
Mas, como já lembrou Rosângela Maciel, a ausência nunca foi empecilho para que mãe e filha se entendessem: as duas já ficaram
três anos e meio sem se ver, quando Ana Paula se casou com um ambientalista italiano e decidiu morar em Portugal, onde o casal
comprou uma quinta na vila de Vale dos Prazeres, a oeste de Lisboa, e chegou a sonhar em fincar raízes. Lá, os dois começaram a
cultivar o solo e a plantar oliveiras. Mas o ativismo de ambos – e as viagens, especialmente de Ana Paula – fez com que a empreitada
não desse certo. O casamento se desfez em quatro anos.
Rosângela, que guia uma van escolar e tem uma rotina de horários pesada, define a filha de maneira muito simples: trata-se de uma
pessoa apaixonada pela natureza, pelos animais, e também determinada, que estudou por conta própria para ingressar numa faculdade
e custeou a própria estada de 40 dias numa estação do projeto Tamar na ilha da Trindade, Espírito Santo, numa das primeiras aventuras
ambientalistas que a fariam, agora, virar uma espécie de celebridade. A ilha fica a 1,6 mil quilômetros do continente.
Um exemplo narrado pela mãe: ainda estudante de biologia na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), no começo dos anos 2000, Ana
Paula frequentemente viajava a cidades do interior do Rio Grande do Sul para dar palestras sobre ecologia e natureza em escolas públicas.
Dava as aulas de graça, às vezes ganhando só a passagem de ônibus.
Outro exemplo: a ativista converteu para DVD mais de 200 fitas cassete que colecionou durante a adolescência e juventude com vídeos
de documentários sobre natureza e ecologia, aos quais ficava horas assistindo quando estava em casa. Segundo a mãe, Ana Paula “não
desperdiça tempo vendo novela”. Também não faz o tipo vaidosa, ainda que tenha impressionantes olhos azuis.
Desde criança que Ana Paula mostrava uma afeição especial por animais, a ponto de fazer da casa da família na zona sul de Porto Alegre
um verdadeiro minizoo, onde havia lugar até para insetos. Mas preferiu cursar biologia porque, se fizesse medicina veterinária, estaria mais
sujeita a cuidar de animais domésticos e urbanos – e o sonho da ativista era bem maior.
Segundo a mãe, Ana Paula sempre teve espírito aventureiro:
- Ela nunca se interessou em ter um emprego formal, em trabalhar em algum lugar como uma pessoa comum. No tempo livre que tinha,
corria para procurar algo em que se envolver. Só nos últimos anos foram três cursos de mergulho – lembra Rosângela.
A irmã Telma, um ano mais velha, exalta o lado emocional herdado por Ana Paula dos pais – a ela coube uma personalidade racional,
o que acabou aproximando-a também da ativista:
- Temos uma troca de características bem interessante, ela me estimulando a ser mais impulsiva e eu dizendo para que seja mais pé no chão.
A atividade de Ana Paula no Greenpeace não tinha nada de pé no chão. Contratada por períodos de seis meses, Ana Paula geralmente passava
três meses embarcada e outros três meses “de férias”, em terra, até surgir uma nova missão. Ganhava o suficiente para viver bem e ainda ajudar
a mãe, que é empregada de uma empresa de transporte escolar em Porto Alegre. Apenas uma vez na vida teve uma atividade formal, quando
atuou como estagiária na Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre em equipes de prevenção à dengue. O estágio era obrigatório.
O Greenpeace surgiu na vida da bióloga ainda na adolescência, aos 15 anos. Segundo a irmã de Ana Paula, ela sempre considerava muito a
possibilidade de um dia integrar as fileiras de um dos grupos ambientalistas mais conhecidos no mundo. Começou coletando assinaturas para
campanhas mundiais em parques de Porto Alegre, no final dos anos de 1990, depois passou a fazer campanhas de coleta de fundos até aderir ao
grupo em 2006. Foi a mãe que a levou pessoalmente ao porto da capital gaúcha quando o Arctic Sunrise atracou na cidade durante a campanha
“Viva Amazônia”. Foi uma experiência avassaladora.
- Eu nunca questionei a vocação dela, nunca critiquei as opções que fez e nem usei a minha preocupação, de mãe, para estimulá-la a mudar de ideia.
Sempre dei força para que seguisse o seu caminho, fosse qual fosse – diz a mãe.
O diretor de Campanhas do Greenpeace, Sérgio Leitão, também descreve Ana Paula como uma ativista determinada e destemida.
- É uma pessoa que não merece essa provação, de jeito nenhum. Ela precisa voltar para casa porque só estava lutando por seus sonhos e por aquilo em
que acredita, e isso não pode ser crime em lugar nenhum no mundo – afirmou.
A família prepara um ato público em Porto Alegre pela liberdade da ativista. A manifestação está prevista para o último fim de semana de outubro, no parque
Farroupilha, e contará com o apoio do Greenpeace.
Ana Paula Maciel e outros 28 ativistas e dois jornalistas foram presos no dia 19 de setembro durante um missão ao Ártico, em águas internacionais próximas à Rússia, quando tentaram subir em uma plataforma da gigante petrolífera Gazprom. Os "30 do Ártico", como ficaram conhecidos, militam contra a exploração do óleo negro no norte do planeta, mas foram detidos sob as acusações de pirataria e, posteriormente, de vandalismo. Nesta semana, uma ampla anistia aprovada pelo Parlamento de Moscou determinou a libertação do grupo, e os 26 estrangeiros (quatro são russos) receberam autorização para deixar o país. Segundo o Greenpeace, somente um italiano ainda permance em São Petersburgo, mas deve rumar ao seu país em poucos dias.
"A Gazprom provavelmente está arrependida", disse Ana Paula sobre a publicidade que o caso ganhou. "Isso nunca foi contra a Rússia, mas contra o lobby da indústria petrolífera. A gente precisa de força (para mudar isso). Já existe tecnologia bastante para usarmos energias renováveis. Nós não precisamos de mais petróleo. E sim: nossas ações vão continuar, enquanto não tivermos um santuário no Ártico, não vamos parar", afirmou. Ela mais de uma vez qualificou os dois meses de prisão como o período mais difícil da sua vida, e ainda não tem planos imediatos, mas alertou que novos casos como esse não podem ser descartados. "Se acontecer de novo, paciência", disse, em bom humor.
Enquanto os "30 do Ártico" passam o final de ano em seus países com suas famílias em novas viagens certas, o Greenpeace, no entanto, tem uma batalha jurídica em andamento. O Arctic Sunrise, navio no qual os ativistas viajavam quando foram presos na plataforma de Prirazlomnaya, segue detido no porto de Murmansk, primeira na cidade na qual os 30 ficaram presos antes de serem levados a São Petesburgo. O grupo batalha nas instâncias internacionais para retomar a embarcação.
Mais cedo, ao chegar em território brasileiro, Ana Paula se mostrou muito contente
e afirmou ter valido a pena ter ficado presa por 100 dias na Rússia.
"Foram 12 horas no avião da minha liberdade", comemorou a brasileira, que chegou
no aeroporto de Guarulhos (SP) pouco depois das 7h deste sábado.
"Eu passei tantas vezes 12 horas na solitária, que 12 horas dentro do avião foi
barbada dessa vez. A minha vida mudou, foi uma tremenda injustiça, uma
tentativa frustrada de calar os protestos pacíficos e a liberdade de expressão”,
Inocentada pela Justiça russa, a gaúcha e outros tripulantes do navio Arctic Sunrise,
do Greenpeace, foram notificados na quarta-feira sobre o arquivamento do
processo pelo qual tinham sido acusados de vandalismo.